A criatividade na área musical é encarada pelos especialistas como uma habilidade quase que exclusiva dos músicos e compositores. Este processo não envolve apenas os artistas, mas também conta com a participação dos ouvintes, já que o fenómeno auditivo é um dos seus diferenciais. Um músico tem as habilidades motoras refinadas para produzir. O ouvinte, por sua vez, usa a sua capacidade auditiva-cognitiva para processar o som e dar-lhe um sentido.
Outro diferencial da criatividade na música é a sua celeridade. Não à toa, algo que os grandes compositores clássicos como Beethoven, Mozart e Bach tinham em comum era a capacidade de improviso. Por isso, não seria errado dizer que, ao contrário da criatividade noutras áreas, na música ela precisa ter um grau de automaticidade, sendo uma habilidade também auditiva-motora.
Contrariamente ao improviso, a composição é um processo de diversas etapas e fundamental para o fluxo produtivo. Algumas composições, aliás, são encaradas por estudiosos como processos onde os envolvidos estão em estado de semi-transe, estágio onde a consciência está ausente e prevalece o subconsciente. Apesar disso, um artista de sucesso não pode valer-se apenas deste fluxo subconsciente de criatividade. O trabalho árduo prevalece sempre para a obtenção de bons resultados.
Para explicar estas diferenças, peguemos como exemplos as canções "Construção", de Chico Buarque, e "Eu quero Tchu, eu quero Tchá", de João Lucas e Marcelo. Chico Buarque é um dos ícones da Música Popular Brasileira e
"Construção", feita em parceria com o maestro Rogério Duprat, é conhecida como uma das melhores músicas brasileiras de todos os tempos. Nela, todos os versos compostos por Buarque são decassílabos e terminam com uma palavra proparoxítonas. A epopeia narra a morte de um trabalhador civil durante o exercício da sua profissão e foi escrita em 1971, época em que o Brasil sofria com a ditadura militar. Além de toda a sua complexidade poética e musical, trata-se de uma crítica à exploração da mão de obra barata no sistema Capitalista.
Já em "Eu quero Tchu, eu quero Tchá", percebemos uma composição mais simples quando comparada com "Construção". A letra fala sobre um estilo de dança sensual que conquistou todo o país. O abuso da repetição das onomatopeias "Tchu" e "Tchá" ajuda a tornar a música cativante. No livro "The Cambridge Handbook of the Neuroscience of Creativity", editado por Rex Jung e Oshin Vartanian, o artigo intitulado "The Neuroscience of Music Creativity", de David Bashwiner, alega que quanto mais envolvente for uma música, maiores serão as chances de o ritmo conquistar o ouvinte. Talvez isso explique a razão pela qual a música de João Lucas e Marcelo virou sensação na época do seu lançamento. A presença do jogador de futebol Neymar Júnior no videoclipe oficial ajudou a dar ainda mais notoriedade ao hit, que atingiu o topo das músicas mais ouvidas no Brasil.
Ao analisar estas duas canções, percebemos estilos diferentes de composição e diferentes formas de expressão artística. Não cabe a nós aplicarmos juízo de valor às obras. O importante é mostrar que o campo da criatividade está aberto para novas abordagens e todos os artistas são bem-vindos nos palcos da imaginação.
Nota: Esta publicação insere-se na rubrica "Ciência da Criatividade", espaço onde se procura perceber de que forma a criatividade pode ser explicada através da ciência. Todas as publicações têm como base o livro "The Cambridge Handbook of the Neuroscience of Creativity".